Como não podia deixar de ser, o Ano Europeu para o Diálogo Intercultural está também a ser assinalado pelo Parlamento Europeu que, nesse contexto, por iniciativa do seu Presidente, resolveu dar a maior ênfase ao diálogo interreligioso, convidando para usar da palavra nas sessões plenárias dirigentes religiosos muçulmanos, judeus e cristãos.
Tratou-se de um passo de grande alcance mas também de algum risco. Começa porque a cultura não se resume à religião, nem todos se revêem nas religiões, e nem todos se revêem nos mesmos representantes religiosos.
O Islão – por onde se começou – não tem propriamente figuras tutelares como tem a Igreja Católica, e mesmo no Xiismo, cujo clero está organizado de forma mais semelhante à católica, não existe um Grande Ayatollah que seja universalmente aceite como dirigente religioso supremo.
Nesta circunstância, a escolha do Grande Mufti da Síria, Ahmad Bader Hassoun, como o convidado que representa o Islão é, naturalmente, uma escolha melindrosa, como o seria qualquer outra. A tradição sunita é de grande ambivalência no que respeita à relação entre o poder temporal e espiritual, sendo que não existe uma hierarquia religiosa aceite enquanto tal.
Os "Mufti", como qualquer "ullema", começam por ser pessoas com qualificações académicas em matérias de interpretação do Corão, mas têm para além disso poderes temporais em matéria de "Sharia" (ou seja, um poder judicial tal como prescrito por uma leitura textual do Corão) e outras que possam ser cobertas por "fatwas", espécie de decretos canónicos cuja interpretação do âmbito é muito vasta.
Os "Mufti" são normalmente designados pelo poder político – o que não quer dizer que não possam manter a sua independência e pôr em causa o poder político que os nomeia. No caso de Ahmad Hassoun, ele é o antigo mufti de Allepo e também um antigo deputado no regime de Assad, que o nomeou para o presente cargo, pelo que ele é, em larga medida, também um representante do Estado sírio.
O discurso de Ahmad Hassoun foi um discurso virado para a defesa da civilização humana como única – em contraponto à leitura da existência de várias civilizações em choque – e para a defesa da tolerância e do diálogo intercultural, o que me levou naturalmente a aplaudi-lo sem naturalmente me esquecer de lhe perguntar sobre o que ficou por dizer.
Em carta aberta ao Presidente Pöttering, sem questionar a escolha, e respondendo a uma solicitação pessoal da Amnistia Internacional, lembrei-lhe a necessidade de colocar a debate a questão dos direitos humanos na Síria, o que efectivamente aconteceu durante a tarde, juntamente com várias outras que se relacionam com a situação política na região.
Para já penso que a iniciativa começou bem. Veremos como ela vai continuar.
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