Quinta-feira, 17 de Abril de 2008

Os motins da fome

Paulo Casaca

Ao descer a colina que liga os portões do recinto onde se encontram as pirâmides de Gizé em direcção à Avenida Al-Ahram (a avenida das pirâmides) que as liga ao Nilo e à margem oriental, ou seja, ao Cairo no sentido literal do termo, uma mole de gente anónima acumulava-se junto a uns enormes portões de ferro de um tosco edifício.

Como me explicaram os meus amigos iraquianos, tratava-se da fila de espera pela venda do pão numa padaria do Estado, que o fornece a um preço substancialmente mais baixo do que o que vigora no mercado livre.

Foi já no regresso à Europa quando li as notícias de motins da fome também no Egipto, onde massas esfomeadas protestavam contra a escassez do pão vendido nessas padarias, ao que parece, provocada pelo desvio de quantidades apreciáveis de farinha para o mercado negro, que a fisionomia daqueles egípcios na fila do pão se negou a sair das minhas recordações. Depois do Egipto, vimos o Haiti e um pouco todo o terceiro mundo sucumbir a crises semelhantes.

Respondemos à crise energética com esta brilhante ideia de substituir a gasolina por álcool produzido por cereais, esquecendo-nos de quantos e quantos milhões de pessoas por este mundo fora dependem vitalmente desses cereais para a sua sobrevivência, e o problema é que não só o petróleo não baixou como criámos um novo círculo de interesses e de lógicas com dinâmicas próprias, onde os miseráveis do nosso planeta parecem não ter lugar.

O imobiliário, o sistema financeiro e a bolsa caíram sucessivamente a partir dos EUA e o mais que o G7 – ou seja, o clube dos países mais ricos – foi capaz de fazer foi de pedir à banca que fizesse o favor de ser transparente, declarar perdas e tomar as medidas necessárias para assegurar a sua solvência, esquecendo-se aliás de lembrar que tanto os EUA e o Reino Unido já utilizaram generosamente o dinheiro dos contribuintes para salvar as instituições mais frágeis.

O sistema mundial de câmbios está, no entretanto, a ser sujeito a tensões extremas, não se vendo até agora nenhum passo por parte da China e de outras potências asiáticas para tomar as medidas que só eles podem tomar e que poderão evitar consequências graves em todo o sistema económico internacional.

Porém, de forma absolutamente extraordinária, as matérias-primas – em especial as energéticas e as alimentares – não dão qualquer sinal de queda, contribuindo assim, num movimento de pinças, para tornar a vida mais difícil a quem delas depende para os seus abastecimentos.

Portugal é o país da UE-15 (não acredito que a situação seja substancialmente diferente no contexto da UE-27) que enfrenta a maior dependência energética e alimentar, sendo que a sua estrutura produtiva continua extremamente especializada na indústria ligeira e no turismo que mais sofre com a quebra da procura e com a actual crise cambial, pelo que, tal como à generalidade das instâncias internacionais, também a mim me parece impossível que o actual quadro internacional não venha a ter repercussões nas nossas projecções macroeconómicas.

Penso que a União Europeia não pode continuar indiferente a este cenário e que tem de pensar rapidamente em avaliar os efeitos dos actuais choques económicos,  nomeadamente da sua assimetria.

No plano externo, há que reforçar imediatamente a ajuda alimentar de emergência e, em especial, tendo em conta os refugiados de países mártires como o Iraque e o Sudão, e no plano interno, há que actuar nos países e regiões que estão a sofrer as consequências da actual crise de forma mais dura, como é o caso do nosso país. 
publicado por nx às 13:59
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