Sexta-feira, 28 de Março de 2008

A Mesquita de Al-Azhar

Paulo Casaca

Construída em 972 por um general Fatimida - dinastia islâmica xiita que dominou o mundo árabe nessa altura - a Mesquita de Al-Azhar (Fátima, a filha de Maomé  chamava-se Fátima Al-Zaharaa) albergou durante muito tempo a Universidade do Cairo, até esta ser transferida para um sítio mais espaçoso, e foi sempre, ao longo dos séculos, uma referência cultural e teológica fundamental.

Com várias épocas de construção e com vários minaretes construídos em épocas diferentes, a Mesquita de Al-Azhar é um dos monumentos de visita obrigatória no centro do velho Cairo.

Apesar de ser hoje uma mesquita, que só se distingue das restantes pela monumentalidade, foi com alguma curiosidade que recebi alguma leitura de divulgação, escrita em português do Brasil.

Em estilo que faz lembrar o das seitas religiosas (talvez o problema esteja mais no português do Brasil utilizado do que necessariamente na mensagem religiosa) um pequeno opúsculo denominado de "A verdadeira Religião de Deus", da autoria do Dr. Abu Ameenah Bilal Philips, tinha um capítulo sugestivamente denominado de "A Mensagem das Falsas Religiões"em que se afirma a dado passo:

"Ao concederem à Criação ou a alguns dos seus aspectos o nome de Deus, as falsas religiões convidam o ser humano a adorá-la. Por exemplo, o Profeta Jesus incitou os seus seguidores a que adorassem a Deus; contudo, os que hoje afirmam ser os seguidores de Jesus, instigam as pessoas a adorarem-no, afirmando que ele é Deus".

Ao ler isto, pus-me a pensar no que diriam alguns dos meus anfitriões do Ministério para os Assuntos Islâmicos se, ao chegarem à Basílica de São Pedro (dado que não há aqui paralelos perfeitos, podemos pensar numa Notre Dame ou numa Winchester Cathedral) encontrassem um opúsculo em língua árabe em que, sob o mesmo título, se tratasse o Islão da mesma forma que o Cristianismo foi aqui tratado.

Eles que consideram haver um cerco ao Islão, uma Islamofobia crescente na União Europeia que, note-se não tem a ver com o fanatismo ou o terrorismo islâmicos, até porque, como me explicaram, e aqui com o apoio da direita espanhola, a ETA e a Al-Qaeda podem ser considerados equivalentes, não terão ainda perdido o tempo necessário a considerar o problema da intolerância religiosa promovida pelo Islão, e de que este texto é um exemplo perfeito.

O que me pareceu mais paradoxal é que a elite egípcia, a começar pelos membros do Governo, percebem perfeitamente a situação, mas não parecem capazes de romper com ela.

Cada vez mais estou convencido de que o problema tem de ser equacionado a partir do anti-semitismo, raiz de todos os problemas da intolerância contemporânea, acabando de vez com a forma absolutamente truncada como o todo o conflito do Grande Médio Oriente contra o Estado de Israel tem sido relatado.

A fundação do Estado de Israel é, a todos os títulos, um acto de afirmação de uma minoria que foge à opressão e ao holocausto. O território entregue a Israel em 1948 pelas Nações Unidas era ainda mais minúsculo do que o actual e passava pela submissão de uma ínfima parte da nação árabe ao domínio de Israel, sem qualquer paralelo com a violenta expropriação e expulsão de vastas áreas do Médio Oriente de todos os judeus. Foi a não aceitação dessa decisão das Nações Unidas, que era a todos os títulos razoável, que desencadeou os conflitos presentes.

De lá para cá, a intolerância inicial foi crescendo, em larga medida por efeito dos revezes que sofreu, e ganha dimensões cada vez mais preocupantes.

Na minha opinião, não se trata de ceder, o que só acelerará o movimento de intolerância, mas trata-se de insistir num diálogo estruturado e bem enraizado em princípios. Talvez assim os responsáveis da Mesquita de Al-Azhar entendam o que não é razoável encontrar no seu templo.
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publicado por nx às 11:58
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Quinta-feira, 17 de Janeiro de 2008

A nossa civilização

Paulo Casaca

Como não podia deixar de ser, o Ano Europeu para o Diálogo Intercultural está também a ser assinalado pelo Parlamento Europeu que, nesse contexto, por iniciativa do seu Presidente, resolveu dar a maior ênfase ao diálogo interreligioso, convidando para usar da palavra nas sessões plenárias dirigentes religiosos muçulmanos, judeus e cristãos.

Tratou-se de um passo de grande alcance mas também de algum risco. Começa porque a cultura não se resume à religião, nem todos se revêem nas religiões, e nem todos se revêem nos mesmos representantes religiosos.

O Islão – por onde se começou – não tem propriamente figuras tutelares como tem a Igreja Católica, e mesmo no Xiismo, cujo clero está organizado de forma mais semelhante à católica, não existe um Grande Ayatollah que seja universalmente aceite como dirigente religioso supremo.

Nesta circunstância, a escolha do Grande Mufti da Síria, Ahmad Bader Hassoun, como o convidado que representa o Islão é, naturalmente, uma escolha melindrosa, como o seria qualquer outra. A tradição sunita é de grande ambivalência no que respeita à relação entre o poder temporal e espiritual, sendo que não existe uma hierarquia religiosa aceite enquanto tal.

Os "Mufti", como qualquer "ullema", começam por ser pessoas com qualificações académicas em matérias de interpretação do Corão, mas têm para além disso poderes temporais em matéria de "Sharia" (ou seja, um poder judicial tal como prescrito por uma leitura textual do Corão) e outras que possam ser cobertas por "fatwas", espécie de decretos canónicos cuja interpretação do âmbito é muito vasta.

Os "Mufti" são normalmente designados pelo poder político – o que não quer dizer que não possam manter a sua independência e pôr em causa o poder político que os nomeia. No caso de Ahmad Hassoun, ele é o antigo mufti de Allepo e também um antigo deputado no regime de Assad, que o nomeou para o presente cargo, pelo que ele é, em larga medida, também um representante do Estado sírio.

O discurso de Ahmad Hassoun foi um discurso virado para a defesa da civilização humana como única – em contraponto à leitura da existência de várias civilizações em choque – e para a defesa da tolerância e do diálogo intercultural, o que me levou naturalmente a aplaudi-lo sem naturalmente me esquecer de lhe perguntar sobre o que ficou por dizer.

Em carta aberta ao Presidente Pöttering, sem questionar a escolha, e respondendo a uma solicitação pessoal da Amnistia Internacional, lembrei-lhe a necessidade de colocar a debate a questão dos direitos humanos na Síria, o que efectivamente aconteceu durante a tarde, juntamente com várias outras que se relacionam com a situação política na região.

Para já penso que a iniciativa começou bem. Veremos como ela vai continuar.

publicado por nx às 11:14
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